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Por Deutsche Welle
Enquanto relator de CPI sugere que fundação seja substituída por secretaria nacional com competências mais amplas, deixando de ser "paternalista", indígenas dizem que fim do órgão visa acabar com demarcação de terras.
A discussão e votação do relatório final da CPI da Funai e Incra 2, que pede o indiciamento de cerca de cem pessoas e propõe a extinção da Fundação Nacional do Índio (Funai), serão retomadas nesta quarta-feira (17/05), depois de terem sido suspensas por questões regimentais nesta terça-feira.
A CPI, dominada por membros da bancada ruralista, foi instalada na Câmara dos Deputados para investigar desvios e irregularidades nos processos conduzidos pela Funai e pelo Incra. Com mais de 3 mil páginas, o relatório do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) propõe a extinção da Funai e o indiciamento de cerca de cem pessoas, entre líderes indígenas e religiosos, antropólogos, técnicos da Funai e do Incra, por supostas fraudes e desvios em processos de demarcação de terras indígenas, de quilombolas e até em assentamentos rurais destinados à reforma agrária. Entre os alvos estão 15 antropólogos e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. A oposição criticou o fato de nenhum fazendeiro fazer parte da lista.
Nesta terça-feira, cerca de 50 indígenas das etnias Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Kaingang e Xokleng protestaram pacificamente, em frente a uma das entradas da Câmara dos Deputados, contra o relatório final da CPI. Segundo uma das lideranças do povo Kaingang, a extinção da Funai é uma estratégia para acabar com o processo de demarcação de terras indígenas comandado pelo órgão.
"Nós, povos indígenas, repudiamos a maneira como parlamentares estão intervindo nessa questão, com interesse próprio, principalmente dos ruralistas e do agronegócio", disse Francisco Kaingang.
"A CPI é uma forma de intervir na Funai para acabar com o processo demarcatório das nossas terras tradicionais. Esses deputados representam os interesses do agronegócio, não os nossos interesses." Os indígenas cobram participação direta nas discussões realizadas ao longo da elaboração do relatório.
Relator propõe mudanças
Leitão rebateu as críticas e afirmou, nesta terça-feira, que a sugestão de extinção da Funai será alterada em seu relatório. O relator disse que o texto será modificado no sentido de pedir a reestruturação do órgão, mas não deu detalhes de como deve ser a mudança.
"O que sugerimos é uma nova roupagem para a Funai, que seria talvez uma secretaria nacional do índio. O que nós queremos é que tudo que trate de índio esteja numa estrutura só, grande, forte, competente, não como a Funai funciona hoje, apenas preocupada com demarcação", disse. A nova secretaria nacional do índio estaria subordinada ao Ministério da Justiça.
Segundo Leitão, o seu relatório é resultado de uma investigação que encontrou fraudes e irregularidades no processo de demarcação de terras no país. Para o relator, que também preside a Frente Parlamentar da Agropecuária, a Funai e o Incra focaram apenas na demarcação das terras e falharam no cuidado com o índio.
"Há índios que querem ser mineiros e produtores, e eles devem ter a liberdade de decidir por eles mesmos. A Funai tem sido superprotetora e paternalista", afirmou Leitão. "Os índios poderiam estar numa grande mina, mas sua gente morre de fome."
Relatório paralelo
Pouco antes de a reunião desta terça-feira ser suspensa, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) apresentou voto em separado contrário ao parecer do relator. Tatto também entregou um relatório paralelo em que critica a forma como foram conduzidos os trabalhos da comissão e resgata todos os requerimentos que foram ignorados pela liderança do colegiado. O relatório alternativo contesta os indiciamentos sugeridos por Leitão e propõe que a Funai e o Incra sejam reestruturados, e não "desmontados".
O texto ainda relata irregularidades no processo de condução da CPI e resgata casos de violação dos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades camponesas.
"Se esse relatório for aprovado, não haverá lugar para os indígenas no futuro do Brasil. O futuro será da soja, do milho e da cana-de-açúcar", afirmou Tatto. "Essa é a mesma mentalidade que quer destruir as florestas do Brasil."
Questionamentos da oposição
A reunião já estava na fase de discussão do relatório e posteriormente encaminharia o texto para a votação. Por quase duas horas, deputados da oposição apresentaram requerimentos e questões de ordem com a intenção de atrasar ou até adiar a votação do parecer.
A deputada Érika Kokay (PT-DF) argumentou que o relatório apresentado tem a finalidade política de indiciar pessoas que trabalham em prol da causa indígena. Kokay ressaltou que nenhum dos indiciados foi convidado pela CPI para prestar esclarecimentos e classificou de criminalização prévia os indiciamentos sugeridos por Leitão no relatório.
Ela afirmou que várias irregularidades cometidas por proprietários rurais foram ignoradas pelo relator. A deputada lembrou ainda que Leitão, é autor de outro projeto na Casa, que permite que o trabalhador rural receba remuneração com alimentação e moradia em vez de dinheiro.
O líder do PSol, Gláuber Braga (RJ), apesar de não ser membro da comissão, teve direito a falar e questionou o pedido de indiciamento de pessoas que já faleceram e o uso, por membros da comissão, de aeronaves pertencentes a empresas ligadas ao agronegócio para realizar diligências da CPI.
O presidente da comissão, Alceu Moreira, respondeu que os meios de transporte usados pela comissão estão vinculados às prefeituras das cidades visitadas, que colocam o serviço à disposição dos deputados. Moreira também é membro da bancada ruralista.
Como os parlamentares da bancada ruralista são maioria entre os membros da CPI, os requerimentos da oposição foram rejeitados, incluindo o que pedia que a votação do parecer ocorresse de forma nominal. Para acelerar os trabalhos, os deputados favoráveis ao relatório não se manifestaram contra os argumentos da oposição.