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“Isso não é reforma é desmonte”, afirmou a auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli no Seminário Nacional contra a Reforma da Previdência organizado pela CSP-Conlutas no último sábado (4), no auditório do hotel Jaraguá em São Paulo.
Em uma reunião atípica, a Coordenação Nacional da Central dedicou um dia ao debate sobre a reforma da Previdência, para deflagrar uma campanha unitária, em todo o país, com o objetivo de barrar mais este ataque do governo Temer.
Estavam inscritas no evento 593 pessoas, representando aproximadamente 200 entidades e movimentos sociais.
A mesa de abertura, “A Seguridade Social é um direito; A dívida pública é um saque. Diga não à Reforma da Previdência!”, contou com a presença de Maria Lúcia Fattorelli, ex-auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida; Sara Granemann, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); Vilson Antonio Romero, presidente do Conselho Executivo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) e o servidor público Paulo Barella, representante da SEN (Secretaria Executiva Nacional) da CSP-Conlutas.
Previdência não é deficitária
Romero provou com dados apurados anualmente pela Anfip que não há déficit na Previdência, o que há é uma manobra, baseada em mentira, do governo nos cálculos divulgados na mídia.
Alertou que o governo exclui da Previdência todas as receitas que compõem a Seguridade Social, responsável constitucionalmente pela Saúde, Assistência Social e Previdência.
“Governo faz contabilidade criativa dando pedalada ao misturar dados e não especificar essa conta”, ironizou.
O cálculo apresentado pelo governo soma apenas as contribuições dos trabalhadores e das empresas ao INSS. Os impostos previstos para o financiamento do sistema, como Cofins, CSLL, PIS/PASEP e jogos de loteria federais não são computados. “mas deveria”, reforça Romero.
“Não tem déficit, tem superávit”, apontou o auditor ao mostrar a superávit dos últimos cinco anos, com R$ 11,4 bilhões somente no ano de 2015, apesar do alto índice de desemprego e do crescimento do trabalho informal e a desoneração de impostos às empresas observados neste ano.
Além dessa manobra nos cálculos, o auditor salientou o de 20% para 30% de retirada das verbas da Seguridade Social por meio da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e aumentou as isenções fiscais aos patrões.
Romero chamou atenção que os servidores mantêm sua própria Previdência apesar de o governo afirmar o contrário.
“Isso tem a cobiça do mercado”, frisou ao denunciar o interesse do mercado por uma fonte de recursos paga pelos trabalhadores durante toda a vida ativa, e os bancos privados são os maiores interessados. “A cada momento que achata o benefício da Previdência Social, o mercado abocanha uma fatia e crescem os fundos de previdência privada”, ressaltou.
O roubo da dívida pública
“Na prática, essa reforma representa um calote. O governo receberá por anos a contribuição previdenciária do trabalhador e não devolverá esse dinheiro”, afirmou Maria Lúcia Fattorelli.
De acordo com a especialista, o governo descumpre a Constituição ao fazer essa conta distorcida para, na prática, financia os banqueiros, por meio de uma dívida pública cujos juros são os mais altos do mundo. “A quem interessa juros tão altos senão aos banqueiros?”, questionou, acrescentando que outro desvio vergonhoso de verba é o aumento do percentual do DRU que vai para pagar dívida com os mesmo banqueiros.
A representante da Auditoria Cidadã denunciou que essa dívida pública é um roubo mascarado cometido por esses governos e que se agrava com a reforma do governo Temer.
Disse mais: “De fato há um superávit nas contas da Seguridade Social e, por obrigação, o governo deveria investir esses superávits anuais em melhorias na área social, como melhorar as aposentadorias públicas, a saúde, a assistência social”.
Além dessa abordagem do roubo que embutido na dívida pública, Fattoreli salienta que a impossibilidade de acúmulo de pensão e aposentadoria é outro roubo ao trabalhador. “Isto é um verdadeiro calote, se um casal paga por toda sua vida ativa a previdência, é claro que na morte de um deles o outro tem o direito a receber a pensão”, ressaltou e atacou ainda os baixos valores pagos a pensões por morte. “Pensão por morte inferior a um salário mínimo numa das maiores economias do mundo. O que é isso?”, questionou.
De acordo com Fattorelli, essa política de desmonte da Previdência irá destruí-la de vez, pois perderá a credibilidade do benefício desviando os trabalhadores para contribuir com a previdência privada. “Essa reforma prejudica trabalhadores, finanças públicas, municípios, mas é muito boa para o mercado financeiro”, afirmou.
“Vivemos sob um modelo tributário que onera a classe trabalhadora e isenta as grandes fortunas e as empresas do país”, denunciou.
Além de defender uma auditoria urgente nas verbas da Seguridade Social, Fattorelli convidou todas as entidades presentes e a CSP-Conlutas para participar da consulta popular que vem sendo organizada pela Auditoria Cidadã da Dívida sobre a reforma da Previdência.
Capitalismo privatiza para sobreviver
“Essa é uma declaração de guerra aos trabalhadores”, frisou a professora Sara Granemann ao abordar a perversidade contra os trabalhadores contida na reforma da Previdência do governo Temer.
Denunciou que essa proposta de Previdência, elaborada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), tem como um dos pontos altos a desoneração do trabalho para empresa, o que para os trabalhadores significará menos direitos e a quebra da Previdência Social.
Sara chamou atenção ao fato de que essa reforma é a que ataca a classe trabalhadora separadamente em seus diversos segmentos, mas o conjunto da classe; e também é uma orientação da receita internacional neoliberal para privatizar a Previdência Pública: incide sobre todos os regimes, sobre homem, mulher, trabalhador rural, da cidade, do setor público, privado, os que ainda não entraram no mercado e os da ativa, pensionistas e aposentados. “As anteriores não fizeram isso”, reforçou.
Acredita que em contrapartida é importante a organização de uma luta de todos os trabalhadores para barrar este ataque. “Talvez, pela primeira, vez, possamos nos juntar numa única luta como classe”, completou Sara.
Além de mencionar os ataques aos diversos regimes próprios que compõem a Previdência, outro ponto relevante apontado pela professora Sara é o funcionamento do capitalismo: “Precisam sempre encontrar espaços de alocação para novos negócios. Pra onde o capital pode crescer?”, perguntou. Lembrou então a política aplicada pelo neoliberalismo desde a década de 1990 aos dias de hoje no Brasil. “Privatizaram a indústria, depois os mercados financeiros, depois os serviços, como as rodovias, pedágios e outros e, agora, privatizam os serviços sociais”, denunciou, lembrando que querem privatizar a água também em diversos países e no Brasil. “Daqui a pouco vão engarrafar o ar que respiramos e pagaremos por ele”, disse, apontando a perversidade do sistema capitalista.
Sara denunciou que o interesse na área de serviços da Previdência se deve principalmente à lucratividade e à ausência de risco para os banqueiros. “É um investimento de longo prazo, a massa de recursos acumula e aumenta todos os meses, e só será retirado num prazo de 40anos, 20 anos e muitos não retirarão o benefício”.
Greve Geral, já!
Barela reforçou que essa reforma significa ataques históricos aos direitos dos trabalhadores e a necessidade de ampliação dessa luta unitária, culminando com uma Greve Geral, já. “A única saída contra essa reforma é construir a unidade da classe trabalhadora para fazer o enfrentamento. Exigimos das centrais que não negociem a reforma e que venham para as ruas e construam a Greve Geral”, convocou as Centrais.
Unidade de ação
Com um seminário aberto, a parte da tarde foi dedicada ao debate “Unidade de ação para barrar a Reforma da Previdência”, buscando desde aquele momento a ampliação da campanha nacional contra a reforma da Previdência.
A mesa contou com a participação dos expositores Cezar Britto, ex-presidente nacional da OAB, Jorge Luiz Souto Maior, jurista e professor de Direito do Trabalho brasileiro na USP, Roberto Parahyba de Arruda Pinto, presidente da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas), Erika Andreassy, do MML (Movimento Mulheres em Luta) e José Aureliano Vasconcelos, representante da Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados).
Previdência não pode ser lucrativa, tem de ser social
Diante do projeto de reforma da Previdência, o ex-presidente da OAB Cézar Britto questionou se a função do estado é servir ao capital ou atender as necessidades do povo. “O sistema não é lucrativo é um sistema de política pública e social”, afirmou, denunciando que o desmonte que significa a reforma promove um ataque profundo aos poucos direitos conquistados com a Constituição de 1988. “É dever da Seguridade Social investir em assistência, saúde e Previdência por meio da arrecadação de impostos. Portanto, sua função, como parte do Estado, está ligada à redistribuição de renda e não a dar lucro, como quer o governo”, afirmou.
Britto defendeu uma luta ampla e unitária, porque segundo o advogado o ataque é grande. “Quem poderia imaginar que se fizesse uma proposta de 49 anos pra se aposentar. É o tempo da resistência, não é tempo pra covardes”, desafiou.
Uma reforma perversa para a mulher trabalhadora
Érika Andressay abordou a situação da mulher trabalhadora no Brasil e o quão a reforma da Previdência irá prejudicá-la. “A reforma será ainda mais perversa para as mulheres”, afirmou.
Ao equiparar as idades, o governo desconsidera a superexploração a que as mulheres estão sujeitas. Elas recebem apenas 76% do salário dos homens para a mesma ocupação (e apenas 40% no caso das trabalhadoras negras), além de desempenharem dupla jornada (trabalho fora de casa e afazeres domésticos).
Também desconstruiu mitos de que as mulheres vivem mais e se aposentam mais cedo, de que a tecnologia diminuiu o trabalho doméstico e outros, num contexto em que a mulher trabalhadora contribui com 44% do INSS e recebe 33% do benefício.
A pesquisadora convocou o “exército!” das mulheres trabalhadoras para estar integralmente nesta luta.
Direitos são vistos como custos
O jurista Jorge Luiz Souto Maior, professor de Direito da USP resgatou que ainda vivemos num país com a concepção escravagista. “O problema é que no Brasil não se conseguiu libertar o período escravista e os direitos são vistos como custos”.
Ao diminuir o custeio da reforma impõe uma lógica de aumento a acidentes de trabalho, doenças e desemprego. Sugeriu a inversão dessa lógica e que a Previdência cumpra efetivamente seu papel originário. “Ao invés de cortar custos, o governo tem de cobrar a dívida de quem deve à Previdência”.
O jurista defendeu a inaceitabilidade da reforma da Previdenciária.
Arruda Pinto afirmou a posição de combate da Abrat contra “essas reformas que miram centralmente os direitos básicos e minimamente dignos da classe trabalhadora brasileira”.
Coadunando com outros palestrantes, alertou o trabalho análogo à escravidão vivido por parcela importante dos trabalhadores brasileiros, a situação da mulher negra que recebe cerca de 50% de salário do homem branco e que a reforma aprofundará essa superexploração.
“A Abrat é contra essa reforma da Previdência, nenhum ponto é aceitável. Nem da reforma da previdência nem da trabalhista”, finalizou o representante da Abrat.
Aposentado e trabalhador da ativa juntos
Vasconcelos da Cobap reforçou a unidade na luta de aposentados e trabalhadores na ativa. “Precisamos lutar, os aposentados precisam muito de vocês. A Cobap vai estar onde vocês estiverem, onde estiverem estaremos juntos”.
“Esse pacote é mais uma ação que faz parte de um projeto maior. Reforma da Previdência, ajuste dos estados, reforma Trabalhista, terceirizações, é projeto de contarreforma do Estado que não foi interrompido por nenhum governo ainda que aplicado de forma distintas”, salientou Eblin Farage pela SEN, resgatando os ataques sofridos na previdência dos trabalhadores desde a implantação do neoliberalismo.
Diante deste contexto, a dirigente defendeu que as ações do movimento devem deixar de ser fragmentadas e defender uma Previdência pública e estatal para todos.
Eblin reforçou o chamado à construção das lutas unitárias com as Centrais, mas defendeu a necessidade de ampliação dos esforços. “Neste momento há de ter a intensificação da luta que vai ter de se expressar nas ruas. Se não formos, vamos ter mais direitos retirados”, setenciou.
“Pra nós a Previdência social não é mercadoria, vamos dizer não e vamos dizer não juntos”, finalizou a dirigente da SEN.