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O lançamento da Jornada Unitária em Defesa dos Serviços Públicos, na noite desta quinta-feira (3), coincidiu com a proposta de “reforma” administrativa encaminhada pelo governo ao Congresso. Desde já, o projeto se torna alvo de mobilização dos servidores e da oposição. Eles pretendem demonstrar que o governo divulga dados distorcidos sobre o setor público. E que enfraquecer esse serviço prejudica, basicamente, a população. Associar o funcionalismo a privilégios é uma “armadilha” acionada pelo governo e pelos defensores do mercado, observou o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior. “Não é uma disputa corporativa, mas pelos direitos sociais no Brasil”, afirmou, no início do evento, que reuniu parlamentares, sindicalistas e dezenas de entidades das várias áreas do funcionalismo – federal, estadual e municipal –, além de organizações como Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Contag (trabalhadores na agricultura familiar) e União Nacional dos Estudantes (UNE). Segundo o diretor técnico do Dieese, a reforma administrativa se soma a outras medidas que vão no sentido de reduzir o papel do Estado. E fazer com que diretos sociais se tornem “mercadoria”, acrescentou.
Interesses privados
“O Estado que a duras penas vimos construindo desde o processo de democratização, e que se consolida na Constituição, está em jogo. Não é para reformar, mas para deformar a Constituição. Não é só desmontar os serviços públicos, mas colocar nossos direitos na mão da iniciativa privada”, disse Fausto. Na próxima quinta-feira (10), participantes da jornada farão um seminário com o tema de “desconstrução de mitos” em torno do serviço público. “O Brasil tem menos servidores (por habitante) que a média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico)”, afirmou Fausto. “Tem uma remuneração média de servidor abaixo da média internacional.” Muitos dos participantes argumentaram que o projeto da reforma administrativa ajuda a “esconder”, inclusive, um tema que deveria ser prioritário: o da reforma tributária. Tributar grandes fortunas, por exemplo, entre outras medidas, garantiria a manutenção de uma renda básica de cidadania e poderia melhorar a prestação de serviços.
Ataque aos vulneráveis
O objetivo da reforma administrativa é “acabar com a política pública”, disse o presidente da Federação Nacional dos Servidores Públicos Estaduais e do Distrito Federal (Fenasepe), Renilson Oliveira. “E deixar os mais carentes reféns de serviços privatizados”, acrescentou. Para o auditor federal Bráulio Cerqueira, secretário-executivo do Unacon Sindical (que reúne auditores e técnicos de controle), a campanha do governo se baseia em fake news sobre o serviço público. Uma delas, exemplificou, seria uma “explosão” de gastos de pessoal entre 2008 e 2019. Mas a afirmação cita dados nominais, lembrou, enquanto proporcionalmente os gastos da União não se elevaram. “Desde o golpe (referindo-se ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016), se estabeleceu uma lógica no Brasil de desregulamentar meios e regulamentar restrições”, observou o analista politico Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). A nova proposta de emenda faz parte de estratégia em curso desde a posse de Michel Temer, comentou, citando as “reformas” trabalhista e da Previdência, além do chamado teto de gastos.
“Lógica fiscalista e ideológica”
“Essa emenda não visa a melhorar a qualidade do serviço ou melhorar a gestão pública. Tem o objetivo de mercantilizar os serviços públicos”, afirmou Toninho, para quem as propostas do governo têm “lógica fiscalista e ideológica”. Ele também refuta a acusação de que o serviço público é ineficiente. Eventual má qualidade, diz o analista, vem da insuficiência da mão de obra. É o que também argumenta a secretária regional da Internacional de Serviços Públicos (ISP) Denise Motta Dau, citando o caso do SUS. “A pandemia mostrou que nós precisamos de mais Estado. Mais Estado se consolida com investimentos. E nós esetamos vivendo um subfinanciamento”, afirmou Denise, para quem está em curso “um ataque sem precedentes na história dos serviços públicos”. E um ataque também aos direitos sociais, emendou. Segundo ela, muitos países estão reestatizando atividades públicas. “Privatizaram e os serviços pioraram.” Para o secretário-geral da Condsef (confederação dos servidores federais), Sérgio Ronaldo da Silva, o projeto do governo “é um copia e cola do relatório do Banco Mundial, do Instituto Millenium”.
Destruição do Estado
Um exemplo foi dado pelo presidente da Proifes Federação (docentes de universidades e institutos federais), Nilton Brandão. “O governo tem uma política para destruir o Estado. O orçamento encaminhado ao Congresso vem com corte linear da ordem de 18% das universidades e institutos. Isso significa precarização para o ensino, que vai faltar dinheiro para vigilância, para papel higiênico, para segurança. É tirar o Estado de proteção social. Tem dinheiro. a questão é para onde está indo.” Entre outros representantes do Congresso, o deputado José Israel Batista (PV-DF), que coordena a Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, disse que o projeto torna o servidor mais vulnerável e sujeito a pressões. E o próprio Estado ficará exposto a interesses privados. “Não aceitaremos o fim da estabilidade. Essa reforma, do jeito que está, não pode passar.”
“Quem ganha com isso?”
A desembargadora aposentada e pesquisadora Magda Barros Biavaschi, do Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, enfatizou a “importância da coisa pública para construirmos um país soberano”. Essa reforma se articula com outras no sentido de “destruição da nossa dignidade cidadã”, emendou. Segundo ela, a austeridade defendida pelo governo “já se mostrou catastrófica onde foi implementada”. Assim, o país caminha no sentido contrário das décadas de construção de um Estado de proteção. E sem os resultados anunciados, lembrou a desembargadora. “Com essas medidas, o que nós teremos é um diminuto impacto na contas que eles dizem defender, mas sim uma profunda depressão na demanda por consumo, que faz sucumbir, pasme, a própria economia que eles dizem querer defender. O que será que significa essa ânsia de destruir a coisa pública? Quem ganha com isso?”, questionou.