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19/09/2013
No Brasil, o fim de um ciclo.
No Brasil, o fim de um ciclo. VALERIO FONSECA O Brasil viveu no mês de junho um intenso processo de mobilizações populares que se coaduna politicamente com a dinâmica internacional de conflitos sociais. Inicialmente motivado pelo aumento das tarifas de transporte público em várias capitais, o movimento foi amplamente vitorioso nesta demanda. Os protestos logo se transformaram num difuso movimento de contestação geral do modelo político, de partidos e governos. As origens desse processo estão diretamente relacionadas aos limites do modelo econômico e político aplicado no Brasil há muitos governos e que, mesmo com alguma diferenciação por parte da coalizão sustentada pelo PT na última década, mostra claramente sua insuficiência diante das históricas carências do povo brasileiro. A insatisfação popular já vinha se mostrando visível com o aumento do número de greves de diversas categorias do setor público e privado (com destaque para os operários das obras de estádios) e com os conflitos em torno de temas como a reforma do Código Florestal, as manifestações contra a Usina de Belo Monte e a luta pela aprovação dos 10% do PIB para a educação pública. Também a resistência dos povos indígenas, como os Guarani-Kaiowá e Terena, pela demarcação e respeito às suas terras, o povo Munduruku contra a construção de hidrelétricas no Rio Tapajós, mostram o aumento dos conflitos. O aumento da pressão pela saída do Deputado Marco Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias foi outro sinal do esgotamento do modelo de “governabilidade conservadora” levado a cabo pelo Governo Dilma. No episódio, uma ampla mobilização de setores da opinião pública, lideranças políticas, artistas e outras personalidades, colocou a nu a absurda dinâmica que assegurou a eleição de Feliciano e os acordos espúrios que garantem a base de apoio do Governo Dilma no parlamento. Ao mesmo tempo, cresceu junto à população um sentimento de repúdio ao desperdício de recursos públicos com as obras da Copa do Mundo, na medida em que a comparação entre o “Padrão FIFA” dos estádios e a realidade dos serviços públicos evidenciou as prioridades do governo. O que assistimos nos últimos meses foi um aumento dos conflitos sociais no país motivado pela ofensiva conservadora em diversas áreas (meio ambiente, terras indígenas, financiamento público, agricultura, direitos individuais, etc.), combinado com sinais de esgotamento do modelo político e econômico implementado pela coalizão PT/PMDB. Esse modelo econômico beneficiou-se até a crise econômica de 2008 de um cenário de crescimento da economia mundial. Embora profundamente marcada pela dependência externa e pela subordinação ao mercado financeiro – através do aumento exponencial da dívida pública e pela alta internacional dos preços das commodities – a economia brasileira cresceu o suficiente para diminuir o desemprego e permitir o aquecimento do mercado interno. Enquanto isso, banqueiros, latifundiários e empreiteiras beneficiaram-se largamente através da dívida pública, dos financiamentos do BNDES e das desonerações. Em 2011, o Governo foi ao encontro do apelo dos setores rentistas que alardeavam uma explosão inflacionária que nunca aconteceu, elevando cinco vezes consecutivas as taxas de juros e realizando cortes de R$ 55 bilhões no Orçamento da União. Alegando que o país não teria condições de crescer a taxas tão elevadas sob pena de enfrentar um colapso na infraestrutura, derrubou-se o crescimento do PIB, que havia sido de 7,5% em 2010. A estagnação econômica e as dificuldades de manter o investimento têm exigido por parte do governo medidas ainda mais agressivas contra os interesses nacionais e populares. A nova onda de privatizações é a marca do Governo Dilma e representa uma nova etapa no projeto de entrega do país aos grupos estrangeiros. Com os leilões do Pré-Sal e a privatização de portos, aeroportos e rodovias, todos previstos para o mês de outubro, Dilma pode entrar para a história como a presidente que mais privatizou o patrimônio público. Enquanto isso, a “governabilidade conservadora” mantém o sistema político extremamente suscetível à corrupção, alimentando o descrédito de amplas camadas com os partidos políticos. Portanto, os protestos que tiveram como origem a luta contra o aumento das tarifas e a defesa de um transporte público de qualidade, se expandindo em seguida para diversas reivindicações, têm como origem a soma de pelo menos três fatores: serviços públicos de péssima qualidade, descrédito com o sistema de representação política e sua incapacidade de absorver as reivindicações populares, e o repúdio à violência de Estado que, diante do primeiro sinal de contestação à ordem, respondeu com repressão e truculência. Cabe destaque, ainda, ao papel cumprido pelas redes sociais, que disseminaram rapidamente as imagens da violência policial e criaram um amplo movimento de solidariedade. Logo, uma pauta progressista impôs-se nas ruas. As demandas são claramente por mais e melhores serviços. Em outras palavras, maior presença do Estado, ao contrário das vozes da direita que clamam por redução da maioridade penal, menos impostos e outras consignas regressivas. A mobilização popular deu grande visibilidade às demandas sociais e às reivindicações populares e pressiona pelo seu rápido atendimento, o que exacerba a luta pelo fundo público e escancara as prioridades do governo – que não são a saúde pública, o investimento em educação, transporte coletivo de massas, habitação popular e saneamento básico, mas sim o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública e o financiamento dos monopólios. O governo Dilma fez sua escolha e agora sofre as consequências do esgotamento do modelo da governabilidade conservadora. Até centrais sindicais governistas e pelegas atestam que não serão atendidas reivindicações como 40 horas semanais, fim do fator previdenciário, ou o arquivamento do PL 4330/12, que alarga a precarização do trabalho através da terceirização. Passada a primeira grande onda, onde a insatisfação foi revelada através de uma ampla plataforma política, exigindo do governo e do congresso uma agenda positiva que envolve transparência, democratização da democracia, participação popular e atendimento das principais reivindicações, a hora agora é de lutar por um desdobramento programático mais radical, nas ruas e na pressão sobre os poderes. Está aberto o caminho para ver o transporte como direito social e a luta pela tarifa zero. Ao perceber que foram dados R$ 30 bilhões em isenções para a indústria automobilística em oito anos para financiar a produção de carros, ao invés de financiar transporte público de massas, a população poderá questionar todo o modelo de financiamento público. Da mesma forma, o simbolismo em torno dos impostos (até aqui muito bem apropriado pela direita) pode se transformar na defesa de uma profunda reforma tributaria que taxe os lucros e os rentistas, desonerando o consumo e o trabalho. A questão da saúde pública e da desestruturação do SUS também ganha realce com a bandeira dos 10% da receita bruta da União para a saúde. A luta pela democratização dos meios de comunicação de massa e o fim dos monopólios também já está nas ruas. A desmilitarização das polícias e a contraofensiva popular em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente como resposta às tentativas de diminuir seus direitos (como pretendem os ruralistas através da PEC 215 e do PLC 227), igualmente são demonstrações de que é possível incidir positivamente para conter o avanço conservador e conquistar mais direitos. Qualquer tentativa de estigmatizar os protestos, tratando-os como anúncio de um “golpe das elites” ou como a expressão de uma massa incapaz de transformar sua insatisfação com o transporte público em demandas mais gerais e concretas, deve ser rechaçada. Obviamente, quanto maiores os protestos, mais eles refletirão o que é a sociedade brasileira hoje e suas contradições. Portanto, devemos estar preparados para enfrentar a incidência dos setores conservadores e da mídia monopolista sobre os manifestantes. Isso, porém, em nada diminui o caráter extraordinariamente positivo do processo que o país está vivendo. O povo se educa na luta e não poderia ser de outra forma. Os protestos prosseguem, agora com os movimentos sociais organizados entrando em cena, como no último dia 11, com extensa pauta por mais direitos sociais. Devemos seguir trabalhando para transformar a insatisfação popular – que não foi plenamente aplacada conquista da redução de tarifas em todo o país – em combustível para a reorganização de um projeto alternativo para o Brasil. Os compromissos do Governo Dilma são evidentes e os ataques aos direitos dos trabalhadores e da juventude não cessarão. As medidas privatistas e antipopulares levadas a cabo por Dilma e por todos os governos estaduais para viabilizar a Copa das Confederações serão aprofundadas, tendo em vista a Copa do Mundo em 2014. Daqui até lá, as medidas contra os interesses do povo brasileiro serão intensificadas. Devemos, pois, redobrar nossos esforços para unificar todos que lutam por uma alternativa de esquerda e dar o combate para que a luta prossiga firme. Abriu-se um espaço de questionamento ao modelo político-eleitoral de representação, e aqueles que estiverem em sintonia com estes questionamentos, reverberando-os como parte da atividade política central de mobilização, abrirão um melhor diálogo com a base social que os impulsiona. A fácil reeleição de Dilma no ano que vem está severamente ameaçada pelas mudanças promovidas nesse processo e o mesmo acontece com vários governadores. Contudo, devemos atuar para impedir que esse espaço seja ocupado por alternativas conservadoras, representadas pelas forças da velha direita demo-tucana ou por pseudo-alternativas progressistas. Tentando desviar a atenção dos problemas estruturais do país e buscando dialogar com a insatisfação popular, o governo ressuscitou o debate sobre a Reforma Política, na forma da defesa de um plebiscito. Evidentemente, o chamado a mecanismos de participação popular, como plebiscitos e referendos, é um fator positivo, que dialoga com o sentimento popular de recusa aos limites da democracia representativa. Não por acaso, setores da direita saíram em ataque a esta medida, que poderia estimular uma nova cultura política no país, rompendo com o monopólio dos “representantes” parlamentares que fazem de seus mandatos instrumentos de intermediação de interesses privados. 58. Assim, é urgente a realização de uma profunda Reforma Política que iniba o poder econômico dos monopólios privados nas eleições e fortaleça os partidos políticos e suas representações. Por isso, os temas que devem constar numa possível consulta devem envolver o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais e mecanismos de revogação de mandatos, além de outros que estimulem o controle e a participação popular sobre o processo político. A Reforma Política que defendemos, portanto, precisa ser resultado de um amplo processo de participação popular, que envolva entidades da sociedade civil e resulte em mudanças substantivas. Seja pela consulta direta (não aquela proposta por Dilma), seja através de Leis de Iniciativa Popular, será fundamental a pressão popular sobre o Congresso Nacional para a aprovação de medidas positivas. Aliás, as consultas não devem se limitar aos temas eleitorais, mas estender-se a outros temas relevantes, como o papel do judiciário, dos tribunais de contas, das instituições policiais que servem de braço armado a esta velha política, concessões públicas de rádio e TV e todos os meios e atores que participem, direta ou indiretamente, da vida política do país. O momento atual é extremamente propício não só para se conquistar mudanças concretas como para defendermos um novo projeto para o Brasil que passa pela libertação do povo do domínio da troika representada pelo capital financeiro, o latifúndio/agronegócio e as grandes corporações, rumo à construção de um país socialista com reconhecimento pleno